segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O Amor de Uma Boa Mulher, Alice Munro


Título: O Amor de Uma Boa Mulher
Título Original: The Love of a Good Woman
Escritora: Alice Munro (Canadá)
Ano de Publicação: 1998
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 373
Gênero: Contos

Alice Munro é uma escritora canadense que recebeu o prêmio nobel de literatura em 2013. Sua obra é composta basicamente de contos. O Amor de Uma Boa Mulher reúne oito desses contos, sendo o primeiro deles o que dá título ao livro.

Todos os contos têm em comum protagonistas femininas que sofrem com o papel que a sociedade atribuiu a elas, seja o de mãe, o de esposa ou o de filha. O feminismo de Alice Munro fica evidente em cada página do livro, mas sempre de maneira sutil, inteligente e perspicaz, o que torna os dilemas dessas mulheres extremamente reais e perturbadores. Apesar de esses contos se passarem na década de 50, os problemas enfrentados pelas mulheres modernas permanecem os mesmos, o que faz com que o livro seja mais atual do que nunca.

A complexidade dos personagens que Alice Munro cria não permite prejulgamentos e visões parciais. Essa é uma leitura que só pode ser verdadeiramente apreciada quando o leitor se despe de qualquer preconceito, especialmente do machismo. Essas são protagonistas que precisam ser degustadas e Munro nos dá acesso direto a sua alma, a seus sonhos, a seus pensamentos mais secretos. Enid, a protagonista do conto "O Amor de Uma Boa Mulher" é uma cuidadora de doentes que confessa muitas vezes sentir ódio de sua paciente. A protagonista do conto "A Ilha de Cortes" revela ter sonhos eróticos com um idoso que sofreu um acidente vascular cerebral. Já a protagonista de "O Sonho de Mamãe" tem dificuldade para amar o próprio filho recém nascido. Essas mulheres são, acima de tudo, seres humanos que se sentem aprisionados dentro de suas próprias vidas, e é difícil para qualquer pessoa minimamente sensível não sofrer o impacto emocional dessa leitura tão honesta e lúcida. Quem nunca teve um pensamento inconfessável que atire a primeira pedra.   

À primeira vista, o que mais chama a atenção em O Amor de Uma Boa Mulher é a escrita de Alice Munro. Suas descrições são extremamente eficientes e a construção dos contos é bastante peculiar. Os temas, apesar de corriqueiros e cotidianos, sempre apresentam um desenvolvimento inesperado, e não é incomum que o leitor se depare com um final imprevisível e difícil de ser compreendido. A escritora dá inúmeras pistas ao longo dos contos, mas é preciso uma leitura atenta. O resultado são histórias que têm início e meio, mas não necessariamente um fim. Acompanhamos a vida dos personagens, as dificuldades que enfrentaram, as escolhas que fizeram, as limitações que experimentaram, mas muitas vezes desconhecemos o que aconteceu com eles. O Amor de Uma Boa Mulher é como uma viagem deliciosa que acaba se tornando melhor que o destino em si. Munro explora cada momento, não se preocupando tanto a conclusão do conto. De certa modo, sua forma de contar histórias lembra a própria vida, em que o momento da morte acaba muitas vezes sendo o menos relevante.

O meu conto preferido, e talvez o mais difícil de ser compreendido, foi "Podre de Rica", em que uma menina de 11 anos tenta encontrar uma forma de libertar a mãe de um triângulo amoroso que só traz sofrimento. O conto mais perturbador, sem sombra de dúvida, é "O Sonho de Mamãe", que põe em xeque o tão falado instinto maternal da mulher ao narrar um dia infernal na vida de uma jovem mãe e seu bebê. "Salve o Ceifador" é de uma delicadeza ímpar ao explorar as dificuldades do relacionamento entre mães e filhas, tangenciando ainda a possibilidade de que uma mulher sinta atração sexual por outra. "O Amor de uma Boa Mulher", "Jacarta", "A Ilha de Cortes" e "As Crianças Ficam" falam, cada um a seu modo, do casamento. Em "O Amor de Uma Boa Mulher", Enid abandona a carreira de enfermeira por imposição do pai, que não considera esta uma profissão adequada para uma mulher que queira fazer um bom casamento. A docilidade e a bondade de Enid, entretanto, a aprisionam, até que, no final do conto, nos surpreendemos com a personalidade e o caráter dessa mulher. Em "Jacarta", "A Ilha de Cortes" e "As Crianças Ficam", jovens mulheres cheias de vida são forçadas a assumir os papeis de esposas e mães que não preenchem seus próprios desejos e aspirações. E, por fim, "Antes da Mudança", o conto do qual eu menos gostei, fala das consequências de uma gravidez indesejada.

O Amor de Uma Boa Mulher mostra que só pode haver felicidade em um relacionamento a dois quando há companheirismo e igualdade. E mostra também que a felicidade vem nas mais diversas formas, não exigindo casamento, filhos, monogamia ou heterossexualidade. Essa é uma leitura que eu recomendo tanto para homens quanto para mulheres. Recomendo para as mulheres para lembremos que podemos sim assumir as rédeas de nossas próprias vidas, que não precisamos viver em prisões criadas por nós mesmas e pelos outros. Recomendo para os homens para que compreendam que a alma feminina, assim como a alma de qualquer outro ser humano, precisa ser livre para ser verdadeiramente feliz, que é na liberdade que está a beleza da mulher.

Nota no Skoob: 5 de 5. 

Vídeo no YouTube:






12 comentários:

  1. Nossa Duda, já fiquei sem fôlego lendo a resenha, imagina lendo o livro! Acho que esse é mais forte do que Fugitiva, por mexer com uma coisa tão difícil como o instinto materno como você citou. É um assunto que muito me interessa e mexe muito comigo, espero poder ler logo!
    Um beijo enorme e que resenha incrível!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tati, vou ler A Fugitiva para descobrir qual deles é um soco maior no estômago... Rsrsrsrs.
      Esse conto chamado "Um Sonho de Mamãe" realmente me abalou psicologicamente. O tema é espinhoso.
      Beijo!

      Excluir
  2. Eu comprei esse livro mas ainda não consegui ler nada dessa autora. É uma pena que o tempo não se multiplique assim como nossas estantes. Gostei muito da sua resenha e espero em breve ler esse livro, principalmente esse conto que você mencionou "Podre de rica", achei interessante o título do conto e o tema que é tratado.

    Beijo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Flávia, acho que você vai amar esse livro! Ele é forte, mas a vantagem dos contos é que dá para ler aos poucos, parando para respirar.
      Eu também queria ter tanto tempo quanto tenho livros na estante.
      Beijo! =D

      Excluir
  3. PRECISO ler esse livro!!! Pra lista, já!!!

    ResponderExcluir
  4. Ainda não li nada dessa autora, mas a cada resenha fico muito tentada.
    O seu texto está bem instigante, fez o livro parecer incrível!
    Talvez eu comece a conhecer a autora por ele.

    :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O livro é realmente incrível, Aline. Eu não esperava gostar tanto do trabalho da Alice, mas me surpreendi. Ela definitivamente mereceu todos os prêmios que ganhou.
      Beijo! =D

      Excluir
  5. Oi Eduarda, quando essa autora ganhou o Nobel, eu pesquisei um pouco sobre ela, mas não cheguei a ler nenhum de seus livros. Eu não leio muito livros de contos, mais por falta de oportunidade. Mas eu me interessei muito por esse.
    Beijos

    blogfalandodelivros.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também não costumo ler contos, Eva, mas eu acho que até mesmo quem não é muito fã do gênero vai amar esse livro.
      Espero que leia!
      Beijo! ^_^

      Excluir
  6. Olá, Eduarda! Vi o seu vídeo de leituras e fiquei bem curiosa por esta, por isso vim correndo ler a resenha. Gostei bastante da ideia do livro e com certeza entrou para a minha lista de desejados. Sua resenha me deixou muito curiosa para conhecer a escrita da autora e o modo como ela aborda todos esses temas. Beijos!

    http://frases-perdidas.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gabi, o livro é incrível! Não deixe de ler. Daqui a pouco entra no YouTube o vídeo sobre ele.
      Beijo!

      Excluir