sábado, 2 de abril de 2016

5 Motivos para Ler Poética, de Ana Cristina Cesar



Título: Poética
Escritora: Ana Cristina Cesar (1952-1983) (Brasil)
Ano de Publicação: 2013
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 504
Gênero: Poesia
Nota: ♥ ♥ ♥ 

1. Ana C. derruba o mito de que existe uma interpretação "certa".

Quem disse que existe uma interpretação certa e várias interpretações erradas para um poema?

Aprendemos na escola, quando somos preparados para o vestibular, a desconfiar de nossas interpretações dos textos literários, até porque elas estão, segundo o professor, frequentemente erradas

Ana C. nos convida a fazer o movimento contrário. Ela inspira o resgate da intuição e do sentimento. Ela nos pede para deixar a racionalidade de lado, apenas por alguns instantes. Os poemas dela parecem ser à prova de interpretações únicas, tamanha é sua fragmentação, sua desestruturação. Cada leitor levará dela apenas o que faz sentido para ele mesmo.

Essa edição da Companhia das Letras traz, ao final, alguns textos sobre a obra de Ana Cristina Cesar. Dentre eles está um de Silviano Santiago chamado "Singular e "Anônimo", em que ele afirma que interpretar um poema de forma única é criar um simulacro e assassiná-lo.

2. Ana C. é intimista e confessional.

A obra de Ana C. está repleta de referências a cartas, diários e conversas íntimas. Tudo nela soa extremamente pessoal, cru e visceral.
"Acordei com coceira no hímen. No bidê com espelhinho examinei o local. Não surpreendi indícios de moléstia. Meus olhos leigos na certa não percebem que um rouge a mais tem significado a mais. Passei pomada branda até que a pele (rugosa e murcha) ficasse brilhante. Com essa murcharam igualmente meus projetos de ir de bicicleta à ponta do Arpoador. O selim poderia reavivar a irritação. Em vez decidi me dedicar à leitura". (Arpejos, Cenas de Abril, p. 26).
"faz três semanas
espero
depois da novela sem falta
um telefonema
de algum ponto
perdido
do país" (Inéditos e Dispersos, p. 239)
Em "Poética", fragmentos de cenas cotidianas, relacionamentos conturbados e sexualidade oscilam entre o tom confessional e a ficção, deixando no leitor a sensação de estar olhando a vida da poeta por um buraco de fechadura, incerto acerca do que é real e do que é imaginado.

3. Ana C. dialoga com o leitor.

Apesar do tom confessional e intimista de "Poética", o leitor nunca consegue perder de vista que está diante de uma obra literária.

Ana C. brinca todo o tempo com seu leitor, fazendo um jogo de mostra-esconde e questionando a interpretação que ele está fazendo de sua obra.
"Fica difícil fazer literatura tendo Gil como leitor. Ele lê para desvendar mistérios e faz perguntas capciosas, pensando que cada verso oculta sintomas, segredos biográficos. Não perdoa o hermetismo. Não se confessa os próprios sentimentos. Já Mary me lê toda como literatura pura, e não entende as referências diretas" (Correspondência Completa, p. 50).
São comuns alterações súbitas no eu-lírico, que se é inicialmente um homem, pode virar uma mulher; que se inicialmente é singular, pode tornar-se plural. Ana C. parece desafiar o leitor a encontrar em sua obra os limites entre forma e conteúdo, entre poesia e poeta, entre literatura e vida.
É para você que escrevo, hipócrita. Para você - sou eu que te sacudo pelos ombros e grito verdades nos ouvidos, no último momento. Me jogo a teus pés inteiramente grata (...) (Inéditos e Dispersos, p. 245)
4. Ana C. é enigmática e misteriosa.

Ana C. constantemente utiliza, em sua obra, imagens de chaves e cadeados. Usa também a palavra francesa "clé", que significa chave, resposta ou solução (para um enigma ou problema).

E, mais uma vez, voltamos ao olhar através do buraco de fechadura, à brincadeira de mostra-esconde e ao desafio.

Qual é, afinal, a chave para a poesia de Ana C.?

" (...) a literatura como clé, forma cifrada de falar da paixão que não pode
ser nomeada (como numa carta fluente e "objetiva").
a chave, a origem da literatura
o inconfessável toma forma, deseja tomar forma, vira forma (...)" (Inéditos e Dispersos, p. 237)

5. Ana C. é uma poeta marginal

Ana C. faz parte de um movimento literário bastante particular: a poesia marginal da década de 70. Em meio ao clima repressivo da Ditadura Militar, esses jovens acadêmicos questionaram intensamente as formas até então impostas, a rigidez literária.

Inspirada por ícones da literatura modernista, como Gertrude Stein e Katherine Mansfield, por poetas que revolucionaram o gênero com seus versos livres, como Emily Dickinson e Walt Whitman, e pelos músicos do improvisado jazz, como Billie Holliday, Ana C. misturou forma e conteúdo, tornando-os indiscerníveis, e criou uma poesia fragmentada, sem métrica ou rimas, mas de uma beleza e doçura ímpares.

Em "Poética", o intimista e o confessional são também herméticos e misteriosos, combinação que tornou Ana Cristina César uma poeta única e à frente de seu tempo.

Vídeo no YouTube:



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2 comentários:

  1. Olá! Muito legal esse seu projeto do leia mulheres. Gostaria de fazer, mas me entupi de desafios haha Você lê livros maravilhosos. Beijos.

    belblioteca.blogspot.com

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  2. Ela é uma bela, literatura do corpo que desloca significantes a cada releitura.

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