terça-feira, 20 de maio de 2014

A Letra Escarlate, Nathaniel Hawthorne


[Livro lido para o Fórum Literário Entre Pontos e Vírgulas]

Título: A Letra Escarlate
Título Original: The Scarlet Letter
Escritor: Nathaniel Hawthorne (Estados Unidos)
Ano de Publicação: 1850
Editora: Companhia das Letras (selo Penguin)
Páginas: 329

Apesar A Letra Escarlate ter sido escrito no século XIX, a história ocorre duzentos anos antes, no século XVII, na recém fundada cidade de Salém, localizada no nordeste dos Estados Unidos. A heroína é Hester Prynne, condenada pelos puritanos da época a usar em seu peito uma letra escarlate que simboliza o pecado do adultério por ela cometido. Hester passa a viver então em um chalé nos arredores da cidade com uma única companhia: sua filha Pearl, fruto da união que a levou a ser punida.

A Letra Escarlate é um dos grandes clássicos da literatura norte-americana e atualmente é de leitura obrigatória na maioria das escolas do país. Não é difícil entender o porquê. A Letra Escarlate é um livro escrito por um americano e para americanos. Hawthorne criou uma história que mescla personagens reais com personagens fictícios e recontou os primeiros anos da colonização americana, centrando toda a trama na Salém puritana da época. Os vilões são esses primeiros puritanos, que vieram da Inglaterra para fundar uma nova sociedade, mas o nacionalismo americano é tão intrínseco ao livro que Hawthorne, apesar de criticar o radicalismo religioso dessa comunidade, admira a força de caráter desses homens:
(...) nossos austeros antepassados (...) acostumados a falar e pensar na existência humana como um estágio meramente de guerra e provação, e sinceramente dispostos ao sacrifício de seus bens e sua vida em nome do dever (...) [p. 123]
Esse primeiros homens de Estado (...) alçados a posições de poder como primeiras escolhas do povo (...). Possuíam coragem e autoconfiança, e, em tempos difíceis ou perigosos, erguiam-se pelo bem-estar da comunidade feito um paredão rochoso contra o maremoto. [p. 263]
Assim, apesar de Hester Prynne ser hoje um símbolo de resistência contra a opressão moralista de uma sociedade impregnada de extremismo religioso, A Letra Escarlate reconhece a importância dos fundadores para a história dos EUA e para formação do país como ele é atualmente. O próprio Hawthorne afirma, em um curto texto chamado "Alfândega", que serve de introdução ao livro, que pelo fato de seus antepassados terem vivido em Salém, ele sente uma atração pela cidade que ultrapassa a vergonhosa matança de mulheres reputadas bruxas ali ocorrida. Sem dúvida foram essas as mesmas razões que levaram Hester Prynne a permanecer em Salém quando poderia ter ido para qualquer outro lugar, lutando contra o sistema de dentro para fora, mas nunca rompendo totalmente com ele.

O que Hester Prynne simboliza é vitória do individualismo contra a opressão. E é justamente esse individualismo que hoje caracteriza a sociedade americana. Hester, através de seu comportamento generoso, solidário e humano, transforma a letra escarlate em um símbolo de bondade, chegando ao ponto de visitantes da cidade desconhecerem a origem da letra, imaginando tratar-se da palavra "anjo". Essa crença no poder transformador do indivíduo, mesmo em face da opressão, foi responsável pelo surgimento do self-made man americano, que com seu trabalho e sua luta solitária contra as adversidades, chega exatamente aonde ele quer chegar. Daí porque Hester Prynne é por todos admirada, sendo um símbolo de força, resiliência e coragem. Sua letra escarlate passa a ser a sua bandeira e a bandeira de todo o povo norte-americano. 

A Letra Escarlate também tece fortes críticas ao protestantismo puritano da época e ao extremismo religioso em geral, valendo-se para tanto de um estilo narrativo que explora a imensa força do psicológico. A influência da Igreja é tão forte sobre esses personagens que suas visões de mundo tornam-se maniqueístas. Quando acompanhamos os pensamentos de Hester Prynne, percebemos que ela chega ao ponto de enxergar em sua própria filha traços demoníacos, simplesmente por ser a criança o fruto de um pecado. E é o desejo de vingaça de Roger Chillingworth que o transforma, aos olhos dos outros e a seus próprios olhos, no mal personificado. Por fim, o Reverendo Dimmesdale sofre tão intensamente que as consequências aparecem em seu próprio corpo. O mal, entretanto, está apenas na mente desses personagens e quando eles se alegram o mundo também se altera:
O amor, seja ele um recém nascido ou um renascido de uma dormência como que de morte, deve sempre criar o brilho do sol, enchendo o coração de tamanha radiância que transborde para o mundo exterior. [p. 226]
Apesar de seus méritos, A Letra Escarlate foi para mim um livro de leitura morna, tediosa e arrastada. Pelo fato de cada um dos personagens do livro ser um símbolo, tornou-se impossível a criação de laços emocionais com eles. Seus sofrimentos e suas alegrias são apenas artifícios em prol de um objetivo narrativo maior, o faz com que o leitor acompanhe o desenrolar da história sem nunca ser envolto sentimentalmente. A felicidade de Hester e qualquer preocupação que pudéssemos ter com ela saem de cena assim que o escritor transforma a mulher real e concreta em um mártir. Ao final, ficou a sensação de que o livro é mais um manifesto do que propriamente uma história.

Nota no Skoob: 3 de 5.  

   








    

2 comentários:

  1. Ótima resenha, Eduarda. Você conseguiu perceber mais nuances do romance que eu. Não tinha atinado para essa questão do patriotismo e do self-made man, mas creio que vc esteja certa.

    Beijo!

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    1. Obrigada, Aline! =D
      Para mim essa é a graça de ler um livro com outras pessoas. Cada um vê uma coisa diferente e a discussão fica rica.
      Beijo!

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