segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Filme: Anomalisa, 2015


Título: Anomalisa
Diretores: Duke Johnson e Charlie Kaufman
Gênero: Animação, Drama
Ano: 2015


"Desde que lemos seu livro, a produtividade subiu 90%!". 

Essa é a frase que Michael Stone, escritor do "livro do momento" sobre atendimento ao cliente, mais escuta em sua viagem de negócios. E imediatamente estranhamos que o personagem principal de "Anomalisa", um homem triste, abatido e grosseiro, possa oferecer conselhos sobre agradar os clientes e aumentar o número de vendas. Esse é só um dos aparentes paradoxos dessa animação pós-moderna.    

Em "Anomalisa", acompanhamos Michael Stone no avião, no aeroporto, no hotel, no local de sua palestra, e finalmente de volta em sua casa. E logo percebemos que há algo de muito errado com ele. Incapaz de estabelecer um contato real com outros seres humanos, Michael parece irritar-se com tudo o que falam, querendo livrar-se deles o mais rápido possível. Mas, ironicamente, Michael não parece confortável nem mesmo em sua própria companhia, já que assim que fica sozinho, sente-se solitário e começa a telefonar para algumas das pessoas que conhece.

O isolamento do personagem é acentuado por um recurso muito interessante: enquanto Michael é dublado pelo britânico David Thewlis, todos os outros personagens, com uma única exceção da qual já falarei, são dublados por Tom Noonan, incluindo as mulheres. Outra curiosidade é que o nome do hotel onde Michael está hospedado é "Fregoli", o nome de uma síndrome em que o portador acredita que diferentes pessoas são uma mesma, disfarçada.

O fato de os personagens serem tão semelhantes a bonecos ventríloquos, sendo visíveis inclusive suas linhas de encaixe, reforça essa sensação de artificialidade que Michael parece sentir todo o tempo. Em uma das cenas mais enigmáticas do filme, ele se olha no espelho e todo o seu rosto treme, parecendo prestes a desmontar e mostrar o que há (ou não há) por baixo. O que interrompe o processo é a voz de Lisa, dublada por Jeniffer Jason Leigh, Podemos ver o alívio e a alegria estampados no rosto de Michael quando exclama "someone else!" (outra pessoa), ao contrário de "everyone else" (todos os outros). 

Mas apesar de Lisa ser um sopro de vida, uma esperança, com sua voz melodiosa e diferente, a artificialidade permanece, e é com grande incômodo que assistimos uma cena de sexo entre os dois personagens. É nítido o desconforto dos personagens com seus próprios corpos e suas próprias ações. E ao mesmo tempo nos identificamos com o que está acontecendo ali, com aquela tentativa quase ingênua de intimidade, ainda que pareça forçada. 

"Anomalisa" parece nos dizer que Michael é um fruto de seu tempo. Alguém capaz de escrever um livro sobre como tratar clientes bem e aumentar a produtividade, mas incapaz de segurar a mão de outra pessoa; alguém que dispõe de uma vida extremamente confortável, mas que não é feliz com nada do que tem; alguém que procura uma alma gêmea, mas descarta-a assim que vê que ela fala com a boca cheia. 

Será que o mundo pós-moderno e a sociedade de consumo nos transformaram em coisas? Coisas que sentem, mas que seriam mais produtivas se não sentissem; coisas que são bem sucedidas apenas quando vendem a si mesmas como um desejável produto de consumo; coisas que enxergam outras pessoas também como coisas, descartáveis pelo mais ínfimo defeito.  






5 comentários:

  1. Gostei bastante daquilo que você escreveu sobre o filme.

    amulherqueamalivros

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  2. Adorei a resenha, Duda! Tinha visto o título do filme e ficado curiosa, mas não sabia do que se tratava. Agora quero ver :)
    beijo!
    Pipa

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  3. Já tinha visto o trailer e ele chamou minha atenção,achei super interessante as curiosidades do post,não sabia que todos os outros personagens eram dublados por Tom Noonan,quero muito assistir.

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  4. Muito interessante suas observações. Quero muito ver esse filme!
    bjo

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