sexta-feira, 19 de junho de 2015

Desafio Por que Ler os Clássicos: Cândido, de Voltaire


Título: Cândido ou o Otimismo
Escritor:  Voltaire (França)
Ano de Publicação: 1759
Gênero: Sátira
Editora: L&PM 
Páginas: 146
Nota: ♥ ♥ ♥ 


Sim, estou fazendo mais um desafio literário! 

Mas Eduarda, e aquele post sobre não enfrentar mais desafios literários esse ano? Pois é. Eu tentei, mas foi inútil resistir a esse desafio cheio de clássicos, meu gênero literário favorito (se é que clássico é um gênero). 

Quem me apresentou a esse desafio foi a Olivia, do Biblioconto. Ele é baseado na obra do Ítalo Calvino chamada "Por que Ler os Clássicos". Cada capítulo é dedicado a uma obra ou escritor considerados clássicos da literatura. Nesse mês de junho o livro escolhido foi Cândido, de Voltaire. E vamos a ele!

Poucos não temem essa obra quando percebem que seu autor é ninguém menos que Voltaire, um dos mais influentes filósofos do Iluminismo e uma das vozes que inspirou a Revolução Francesa. Cândido é, entretanto, um livro extremamente divertido, de linguagem simples e leitura rápida. O protagonista é Cândido, um jovem otimista cujo guia filosófico é o sábio Pangloss. Quando Cândido, após se apaixonar pela bela Cunegundes, é expulso do castelo em que vivia, passa a vagar pelo mundo, encontrando no meio do caminho os mais diversos personagens e as mais diversas filosofias de vida.

Cândido pode resumidamente ser definido como uma sátira voraz ao otimismo. O sábio Pangloss, a grande influência filosófica de Cândido, é inspirado em um personagem real: o filósofo Leibniz, de quem Voltaire não era um grande fã. De acordo com a filosofia otimista de Leibniz, "o futuro do mundo é estabelecido por um Deus onisciente e benevolente, que, portanto, criou o melhor mundo possível"*. Voltaire satiriza essa visão a cada página, sempre de forma bem humorada, inserindo na narrativa desgraça após desgraça, miséria após miséria, até que todos os personagens comecem a questionar seu otimismo inicial. Voltaire inspirou-se em eventos reais: a Guerra dos Sete Anos, o terremoto que destruiu Lisboa em 1755, os embates entre jesuítas e espanhois no Paraguai, a Inquisição, etc.
- O que é o otimismo?, disse Cacambo.
- Ai de mim!, disse Cândido. É a louca paixão de sustentar que tudo está bem quando está mal.
- Mas com que finalidade este mundo terá sido então criado?, disse Cândido.
- Para nos atormentar, respondeu Martinho.     
Em Cândido tudo acontece a 1.000 km/h. Em apenas 146 páginas, o leitor viaja o mundo junto com Cândido e vários outros personagens, conhecendo a fundo suas histórias de vida e as desgraças que as marcaram. O ritmo do livro é frenético e as ironias podem ser encontradas em praticamente todas as falas e narrações. Ítalo Calvino** define muito bem a velocidade com que os eventos ocorrem em Cândido afirmando que o livro tem uma "alegria enérgica", uma "vitalidade alegre e primordial" e "personagens que parecem feitos de borracha".

Durante todo o livro, esses tais personagens de borracha são jogados de um lado para o outro, aparentemente ao acaso, sofrendo as piores atrocidades. Em Cândido, a religião, o poder, a riqueza, a cultura ou a filosofia não garantem a felicidade. O único lugar perfeito que Cândido encontra é Eldorado, uma cidade inca fictícia e utópica. Os personagens, resignados, já nem sequer questionam a origem do mal que as atinge. O racionalista Voltaire parece, com essa postura, sinalizar para o leitor que é inútil tentar compreender os movimentos do Universo e que não é possível para nós, seres humanos, compreender os motivos de Deus, se é que ele existe. O livro é finalizado com uma frase enigmática hoje famosa: "é preciso cultivar nossa jardim", que parece indicar que nós somos os donos do nosso destino e que, mesmo sujeitos a forças externas imperscrutáveis, somos livres para pensar, sentir e viver sem amarras impostas por autoridades. É um ideal claramente burguês de independência e liberdade.    

Cândido é, portanto, um livro em duas camadas. Ele pode ser lido como uma sátira ao otimismo extremamente divertida, marcada por um senso de humor macabro e levemente perturbador. Mas pode ser lido também como um livro que sorrateiramente apresenta ao leitor a filosofia de Voltaire, que era um ferrenho defensor da liberdade de pensamento, do questionamento das verdades oficiais e do pensar por si mesmo. Não é à toa que no final Cândido não sobra pedra sobre pedra: todas as instituições e filosofias de vida são colocadas em xeque. Assim, não é não um pouco surpreendente que sobre os escombros deixados por Voltaire tenha caminhado uma revolução que derrubou monarquias.

* "O Livro da Filosofia", de vários colaboradores. Minha edição é de 2011, da Globo Livros.
** "Por que Ler os Clássicos", de Ítalo Calvino. Minha edição é de 2007, da Companhia de Bolso.











    

14 comentários:

  1. Mais um belo desafio. E especial por serem clássicos. Também são os meus preferidos. :)
    Li este livro quando era muito nova, preciso reler porque não aproveitei de todo.

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    1. "Cândido" é um livro para ser lido e relido, né Cláudia? É um livro aparentemente simples, mas que apresenta muitas discussões importantes.
      E aí? Topa mais um desafio? Risos.
      Beijo! ^_^

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  2. Tenho um certo receio em ler Cândido, mas preciso deixar disso, porque o livro parece ser bem divertido. :)

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    1. Eu também tinha medo, mas o livro é leve, rápido e muito divertido.
      Leia sim, Lígia!
      Beijo! ^_^

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  3. Muito boa a resenha, Duda. Eu me diverti muito durante a leitura mas acho que se tivesse lido antes na vida teria aproveitado mais... Hoje não sou mais tão pessimista quanto era antes hahahaha
    Mas sem dúvida é um livro incrível.
    Beijos!

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    1. Oi, Tati! Que bom te ver por aqui! ^_^
      Eu não me considero nem otimista nem pessimista. Estou com a Aline nessa história: precisamos encontrar um equilíbrio (ela comentou isso no vídeo dela). Mas é muito divertido acompanhar alguém tão otimista quando o Cândido só se dando mal... Risos.
      Beijo! ^_^

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    2. Seu blog é um dos meus favoritos (e um dos poucos que ainda acompanho sempre rs). Vou comentar mais :D

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  4. Resenha excelente, Duda!
    Essa frase do cultivo do jardim me soou enigmática dentro desse livro especificamente, mas acho que a exortação à ação que vi na conclusão tem a ver com a liberdade de escolha e pensamento que você viu.
    Beijo!

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    1. Obrigada, Aline! Acho que é bem por aí mesmo.
      Engraçado que hoje esse frase "Cultive seu Jardim" vem sendo usada como dica para relacionamentos, né? Risos. Morro de rir com essas citações que ganham vida própria.
      Beijo! ^_^

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  5. Você é a segunda pessoa que classifica esse livro como "divertido". Ainda não o li, mas confesso que não consigo ligar esse adjetivo ao título. Toda vez que olho para esse livro na estante, lembro dos comentários positivos que já li sobre ele, mas daí aparece o diabinho no meu ombro e sussurra: "é mentira!". Tenho que parar de dar ouvidos a ele e me aventurar na leitura, né? Acho que vou me identificar com essa parte da sátira ao otimismo.
    Ah, e envolvimento em desafios mesmo depois de jurar que já chega... quem nunca?
    bjo

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    1. Eu também comecei a leitura desconfiada, Michelle. Alguns livros, por serem clássicos, são automaticamente classificados como sérios. Acontece a mesma coisa com Dom Quixote, que na verdade é um livro muito divertido. Parece que a gente acha que gente velha, quanto mais quando é filósofo, não sabe fazer piada, né? Mas acredite. É sim um livro engraçado e divertido! Se você se identifica com as críticas ao otimismo então... O Calvino fala que esse livro inspirou muitos filmes de comédia ao longo dos anos, com suas cenas rápidas de tragédias que de tão rápidas acabam ficando cômicas, principalmente porque não estamos nem um pouco preocupados com a saúde e a vida dos personagens. A Gláucia, no vídeo dela, comparou o livro a Tom e Jerry. Achei bem pertinente. Risos.
      Beijo! ^_^

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  6. Eduarda, como comentei lá no vídeo da Aline, ainda preciso ler o capítulo do Calvino e parar para pensar um pouco sobre o livro, mas já vou deixando meu comentario por aqui para nao parecer que eu lancei o desafio e abandonei o barco, né. Hehehe!
    Sinceramente vi graça em poucas passagens, talvez porque eu tenha mergulhado de cabeça nas notas da minha edição e porque eu não conseguia parar de achar o Voltaire prepotente. Acho que será um livro ao qual eu vou voltar eventualmente, pulando as notas, para ver de qualé.
    Besos!

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    1. Olivia, quase todo mundo que leu o livro sem as notas apreciou mais a leitura. Eu, por exemplo, não fazia ideia dessa prepotência do Voltaire, já que no meu livro não há notas que relacionam cenas do livro com coisas que realmente aconteceram com ele. E como eu já comentei lá no YouTube, eu vi o livro como uma sátira mesmo, e sátiras criticam tudo e todos. Risos.
      Beijo! ^_^

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