sábado, 8 de março de 2014

A Fazenda Africana, Karen Blixen


[Lido para o Fórum Literário Entre Pontos e Vírgulas: Projeto Mulheres Modernistas]

Título: A Fazenda Africana
Título Original: Den Afrikanske Farm
Escritora: Karen Blixen (Dinarmarca)
Ano de Publicação: 1937
Editora: Cosac Naify
Páginas: 448

A Fazenda Africana me permitiu matar quatro coelhos com uma cajadada só, já que essa é uma leitura compartilhada lá no fórum, uma leitura para o "Desafio de Leitura de Rory Gilmore, uma leitura para o desafio "1001 Livros para Ler Antes de Morrer" e uma leitura para o desafio "Leia Mulheres 2014". Com tantas credenciais literárias, eu esperava um livro excelente e foi justamente isso o que encontrei. Essa sem dúvida foi a melhor leitura do ano até agora!

Eu já conhecia Karen Blixen por seu maravilhoso conto "A Festa de Babette" (resenha aqui), mas A Fazenda Africana mostra outra face da escritora, já que esse livro é uma espécie de diário em que ela conta suas impressões acerca dos 17 anos em que viveu na África, sendo um relato autobiográfico muito sincero, íntimo e sensível de uma importante parte da vida da escritora.
Apesar de as histórias que Blixen conta em A Fazenda Africana nem sempre obedecerem à cronologia, o livro começa com sua chegada na África e termina quando ela retorna para a Dinarmarca, sua terra natal. Durante os anos em que viveu na África, Blixen foi proprietária de uma fazenda de café localizada nas montanhas Ngong, no Quênia, próxima à capital Nairóbi. Os relatos de Blixen são sempre fascinantes, já que incluem curiosidades sobre a cultura africana, descrições de safáris, personagens interessantíssimos e até mesmo descrições de seus contatos com animais exóticos. 

Como Karen viveu na África entre 1914 e 1931, tendo inclusive ajudado a transportar materiais para a 1ª Guerra Mundial, o Continente que ele descreve é muito diferente do atual. A África de Blixen ainda não foi assolada pelo vírus da AIDS e pelo Ebola, ainda não enfrentou sangrentas guerras civis e genocídio e ainda não sofria as constantes intervenções humanitárias da ONU e outras organizações. Aqui temos uma África das primeiras fases da colonização europeia e os principais temas do livro são os choques culturais decorrentes da relação entre brancos e nativos, a expulsão dos nativos de suas terras, a proibição de danças típicas e outras expressões da cultura africana e a caça predatória de animais da fauna local.

A Fazenda Africana não é, contudo, um manifesto contra o domínio europeu na África, já que na maior parte do tempo Blixen encara com naturalidade a situação do Continente; suas especulações decorrem muito mais de curiosidade do que de preocupações políticas ou sociais. Ela descreve, por exemplo, que a principal tribo da região quando os europeus chegaram era a Massai. Porém, pelo fato de os massais serem um povo guerreiro, rapidamente diversas de suas práticas foram proibidas pelo governo e eles foram relegados a reservas. Blixen não demonstra, contudo, revolta, limitando-se a descrever a beleza dos massais e a admirar sua força e coragem. Mas não há dúvida de que Blixen amou a África, com todas as suas peculiaridades e diversidades, já que de suas detalhadas descrições transborda sempre admiração, carinho e acima de tudo respeito.    
      
A escrita de Blixen é perfeita e ela conta histórias como ninguém, sendo capaz de transformar até mesmo os fatos mais banais em aventuras. A cada página nos sentimos mais e mais dentro daquele mundo que ela descreve e nos vemos desejando conhecer aqueles personagens, ver aquelas paisagens e respirar aquele ar das montanhas. Até mesmo eu, que nunca tive vontade de conhecer a África, me vi fascinada e curiosa para ver com meus próprios olhos o andar altivo das girafas, a realeza dos leões e as diferenças entre as diversas tribos e etnias da África.

A Fazenda Africana é sem dúvida uma obra-prima e não causa nenhuma surpresa o fato de Blixen ter sido muitas vezes cogitada para receber o nobel de literatura. Poucos escritores conseguem transmitir tanto sentimento com obras essencialmente descritivas e Blixen é um deles. Esse é um daqueles livros capazes de nos acompanhar para o resto de nossas vidas. 

Curiosidade. Os relatos de Blixen deixam de lado os aspectos pessoais de sua vida, apesar de muitos deles poderem ser lidos nas entrelinhas. O filme "Entre Dois Amores", de 1985, é baseado não só em A Fazenda Africana, mas também em biografias e outros escritos de Blixen, razão pela qual contém mais detalhes acerca de seus relacionamentos amorosos.


Para ler a resenha sobre A Festa da Babette, também de Karen Blixen, clique aqui.

Para ler a resenha sobre Sete Narrativas Góticas, também de Karen Blixen, clique aqui.






5 comentários:

  1. Eduarda, acho que só vai ter gente elogiando lá no fórum, não? Esse livro é mesmo incrível! Você tocou num ponto importante, comentei na discussão mas depois volto para a gente desenvolver mais esse assunto, estou esperando mais pessoas comentarem, acho que muita gente ainda não terminou a leitura. Resenha maravilhosa, como sempre! Beijo!

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    1. Até agora não encontrei ninguém que não gostou do livro, Lua! =D

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  2. Eduarda,
    ótima resenha de um livro verdadeiramente incrível!
    Eu me surpreendi muito, pois comecei a leitura achando que ela falaria muito mais da sua vida pessoal; mas encontrei um relato antropológico/literário de uma beleza ímpar.
    Acho que o dom da escrita dela é relamente te transportar para o coração da África como ela a viveu e eu achei extremamente lúcidas as análises dela sobre a relação dos europeus com os povos nativos; apesar de não tocarem muito na questão política. Não era esse o objetivo dela na minha visão. Ainda assim a sua lucidez e amor pela África e pelos africanos fala muito mais do que apenas o que está escrito. Essa foi minha impressão.
    Beijos!

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    1. É isso mesmo, Denise! Impossível não se apaixonar por esse livro...
      Vi seu vídeo sobre o livro e deu para perceber o quanto você gostou da leitura!
      Beijo! =D

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  3. Eduarda, gostei muito da sua resenha e acho que tocou em um ponto bem importante e fundamental para a compreensão da escrita de Blixen - o fato da experiência se dar nos primeiros anos da colonização. Fiquei bastante comovida com suas descrições do dia-a-dia na fazenda, do trabalho árduo que é lidar com a terra. E, principalmente, do respeito com que fala dos africanos. Realmente é um lindo livro.
    Gostei muito do seu blog!
    Obrigada, Lara

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